Sustentabilidade high tech


Extravagantes, edifícios como os de Dubai e China tentam provar que são sustentáveis. Por isso, transformaram-se em grandes geradores eólicos e captadores fotovoltaicos. Mas isso é viável?


Por Maurício Horta


Jardins suspensos da Califórnia
Quem visita o parque Golden Gate, São Francisco, nos Estados Unidos, encontra 10 mil m² de sua vegetação suspensa sobre colinas artificiais pontuadas por clarabóias. Abaixo dessas 1.200 toneladas de solo e plantas nativas foi inaugurado em setembro de 2008 o novo edifício da Academia de Ciências da Califórnia - complexo que reúne aquário, planetário e museu de História Natural. O prédio, que consome 35% menos energia do que o prescrito pelas leis da Califórnia, recebeu o certificado Leed Platina do Green Building Council americano.

Mas o quão longe vai o benefício proporcionado por esse tipo de cobertura? Neste caso, além de absorver 14 milhões de litros de água pluvial por ano, ela substituiu o isolamento térmico, ajudando a diminuir o uso de ar-condicionado. Os gastos com manutenção como irrigação, podas e reposição foram reduzidos com a escolha de plantas nativas, que melhor se adaptam ao clima da região.

Já em edifícios com áreas menores de cobertura, a contribuição é pequena. "Mas se a maioria dos prédios passar a adotar esse tipo de solução, o benefício para o ambiente urbano vale a pena, pois diminui o efeito de ilha de calor", diz Westphal.

 


Sede da empresa de biotecnologia Genzyme; escritório Behnisch Architekten empregou heliostatos, espelhos fixos e cobertura prismática para direcionar raios solares até o átrio central do prédio, onde são redistribuídos por espelhos suspensos

 

Casa dos espelhos
O escritório Behnisch Architekten recebeu da empresa de biotecnologia Genzyme um quebra-cabeça: encaixar 920 escritórios em 33 mil m² usando o mínimo de energia tanto para circulação vertical quanto para iluminação e climatização.

A resposta foi uma microcidade espalhada em 12 andares ao redor de um enorme átrio central, iluminada completamente com luz natural.
Para isso, foram adotadas duas estratégias. No perímetro do prédio, venezianas motorizadas direcionam a luz natural para forros refletores das salas. Já no átrio, a luz entra e é dispersa por meio de uma cobertura de anteparos prismáticos móveis. Para aproveitar o máximo de iluminação durante o dia, heliostatos instalados na cobertura do átrio acompanham o movimento do sol para redirecionar os raios para espelhos fixos que, por sua vez, projetam os raios para o átrio. Dentro do prédio, candelabros de espelhos redirecionam os raios para as salas. 
O átrio central serve também para receber o ar quente dos escritórios, que sobe e sai por sua cobertura. Esse fluxo constante mantém os ambientes frescos e ventilados nas estações quentes.  O prédio também recebeu o certificado Leed Platina.

Um projeto assim, no entanto, não pode ser transferido automaticamente ao Brasil, em cuja latitude o céu possui muito mais luminância. "Enquanto em países de clima temperado as grandes áreas envidraçadas se justificam pelo aproveitamento de luz natural, no Brasil elas apenas trazem problemas de ofuscamento de difícil controle", diz Westphal. "Não tem por que usar um peitoril transparente aqui, pois não há ganhos significativos em termos de luz natural. Há, sim, o aumento de carga térmica e desconforto por assimetria de radiação."

Para o engenheiro, mesmo os caros vidros de alto desempenho que permitem a execução de grandes áreas envidraçadas sem prejuízo ao conforto térmico não se justificam. "Aumentar custos não é a melhor solução do ponto de vista da engenharia. Não é sustentável."

Portanto, o melhor aqui seria diminuir a área de janelas e projetar proteções solares externas como brises, que permitem o bloqueio da radiação solar direta quando for indesejável no interior da edificação.

Seriam necessárias soluções mirabolantes dignas dos quadrinhos do professor Pardal para atingir a sustentabilidade? Não, segundo o engenheiro Nelson Kawakami, diretor-executivo do Green Building Council Brasil, organização gestora da certificação de sustentabilidade Leed (Leadership in Energy and Environmental Design), que já tem 79 construções registradas no País, a maioria - mas não todas - no eixo Rio-São Paulo.

"A tecnologia ajuda, mas não é essencial", diz Kawakami. "O principal para fazer um projeto sustentável é a vontade de fazê-lo, e não a sofisticação tecnológica. O prédio do Banco Sul Americano (1960/63) de Rino Levi, na Avenida Paulista, já era um prédio com conceito de sustentabilidade."

Kawakami cita como exemplo de construção sustentável brasileira o Cenpes (Centro de Pesquisas da Petrobras) no Rio de Janeiro, de Siegbert Zanettini e José Wagner Garcia, que deve ser concluído em 2010. "Ele traz tudo de interessante do ponto de vista de um projeto sustentável e sem grandes tecnologias", diz. Essencial para o projeto foi a integração de todas as disciplinas - arquitetura, sistemas de ecoeficiência, paisagismo, planejamento e produção da obra. Para Kawakami, não existe mais espaço para o arquiteto formalista na era da sustentabilidade.

Divulgação: Moro
Edifício Suíte Vollard, concluído em 2004; sua construtora, a curitibana Moro, afirma ser o primeiro no mundo a girar. O recurso, que não tem propósito ambiental, elevou o custo das unidades a R$ 1,5 milhão
Estatal verde
O conjunto de 160 mil m² abrigará o maior centro tecnológico da América Latina, com 4.500 cientistas. Seu desenho, predominantemente horizontal, prevê um edifício central de escritórios com 300 m de comprimento e 50 m de largura do qual partirão prédios laterais, onde se abrigarão laboratórios, orientados a Norte e Sul para evitar a radiação direta.

 

O projeto foi fortemente influenciado pelo clima quente-úmido, detalhadamente analisado a partir de um banco de dados climáticos feito pelo Labaut FAUUSP de cada uma das 8.760 horas de um ano, incluindo temperatura, umidade, direção e velocidade do vento, radiação solar e precipitação. Suas plantas estreitas com fachadas sombreadas favorecerão ventilação e iluminação naturais e a vista para o mar. Os edifícios serão conectados por espaços de transição entre interior e exterior, com jardins implantados no terraço do edifício central, entre os prédios laboratórios, nas áreas de convivência e nas passagens entre edifícios, criando microclimas.

Outro ponto positivo é a industrialização de seus componentes - ponto em que, segundo Kawakami, o Brasil ainda precisa evoluir, mas que grandes lideranças como o arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé, já desenvolveram sistematicamente. 

O canteiro do Cenpes foi pensado como um local de montagem, e não construção. Com exceção de alguns pilares de apoio e fundações de concreto, privilegiou-se o uso do aço nas estruturas, enquanto o fechamento externo foi feito com painéis pré-moldados de concreto e as vedações internas, em drywall.

Além de um canteiro de obras limpo, isso permite uma grande flexibilidade para desmontar, transportar e montar as peças caso seja necessário reconfigurar o layout do prédio.

Outra unidade da Petrobras - um conjunto de 110 mil m² numa área arborizada da praia do Canto, Vitória (ES) - foi projetada pelo escritório de Sidonio Porto com estratégias ambientais.

Além de levar em consideração a orientação solar e usar um cinturão verde de árvores antigas, Sidonio Porto prevê microclimas mantidos por espelhos d'água e vegetação, brises de chapas perfuradas em branco, aletas que formam uma espécie de veneziana externa e vidros com pigmentação verde-claro. Isso não apenas protege da insolação como não impede a circulação do ar junto às fachadas. A previsão é que o ganho solar fique abaixo de 0,35.

Estudos de vento foram feitos a partir de dados do Ministério da Aeronáutica relativos ao aeroporto de Vitória. A combinação do arranjo dos edifícios e a topografia do terreno permitirão a incidência dos ventos sobre todo o conjunto. Nos edifícios que precisarem de ar-condicionado, a ventilação natural sobre as fachadas removerá parte do calor absorvido da radiação solar.

A maioria de seus prédios terá na laje um piso técnico aberto, como um hiato entre o volume construído e sua cobertura. Isso formará um espaço intermediário ventilado que cancelará ganhos advindos da radiação solar. Já a cobertura do auditório terá um terraço-jardim.
Mas não são necessários os investimentos de uma megaestatal para construir verde.

Na capital paulista, o Eldorado Business Tower, do escritório Aflalo & Gasperini Arquitetos, obteve a pré-certificação Leed Platina do GBC-Brasil. Para isso, atingiu 50% de economia de água, 30% de energia e 75% de resíduos desviados de aterros sanitários.